O Blog Listas Literárias leu HOPE, As Cores da Verdade, de M. V. Nery publicado de forma independente; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Hope é uma versão LGBT de obras carregadas de testosterona, violência e ação como os filmes de Chuck Norris, Arnold Schwarzenegger, Stallone, Jason Statham, num futuro distópico em que a opção de gênero poderá te levar à prisão ou à morte sob a tirania de um líder americano, religioso e homofóbico que instaura uma nova teocracia. Na projeção e nos conceitos, a obra pode parecer promissora, todavia será preciso aprofundar melhor tais questões...
2 - Mas antes de penetrarmos na obra em si, no caso desta publicação não podemos deixar de mencionar o esmero da produção envolvida nesta publicação, que embora independente, mostra um resultado bastante profissional, com design atraente e cuidado com todos os detalhes que vão além da escrita;
3 - Mas retornando ao interesse principal de uma avaliação de leitura, ou seja, o conteúdo da narrativa, Hope inicialmente chama-nos atenção por seu potencial, especialmente em tempos de tanta intolerância e desrespeitos com a escolha de cada um. Por isso, a expectativa inicial é a de que a obra justamente possa tornar-se uma interessante voz para a luta LGBT, entretanto, claro, na avaliação deste leitor, a narrativa infelizmente sucumbe a clichês, incongruências e a personagens de constituição rasa que na verdade tão somente liberam suas angústias reacionárias e solapam qualquer reflexão mais profunda, o que enfraquece o alerta, que imagino, pretendia-se estabelecer com a obra;
4 - Logicamente, é preciso exemplificar elementos que nos levam a esta interpretação. Primeiro, a própria escolha da ação em detrimento de qualquer espaço para respirar e refletir. Lógico que enquanto somos caçados, essa não deva ser uma tarefa fácil, porém, o autor não faz um recorte de trégua, e a cada capítulo cenas e mais cenas de luta, combate e ação (fator pelo qual citamos os filmes) constrói um cenário visto em todas as produções de massa, ou seja, muito sangue e pouca voz. Do princípio ao desfecho do livro, o protagonista Sam está envolvido em lutas, tiroteios, e mortes;
5 - Aliás, Sam Hatfield, o protagonista é outra das fragilidades da narrativa. Não há nele qualquer profundidade psicológica, tanto que cada vez mais ele vai se aproximando dos "heróis" de filmes baratos, sem nada na cabeça, mas com músculos e habilidade para matar quem passe pela frente. Além disso, a despeito de suas qualidades físicas e motoras, demonstra sempre uma ingenuidade absurda, e em nenhum momento é capaz de apresentar profundidade e reflexão diante o tenebroso cenário que enfrenta. Tanto, que em muitos momentos repetirá velhos clichês dos cinema, e evidenciará sua falta de profundidade e contradições, tão necessárias aos personagens literários;
6 - Mas sem dúvida alguma, os principais problemas da obra são algumas concepções acerca do próprio universo LGBT. A primeira delas, claramente é o fato de o autor considerar este público como "classe", algo que sinceramente soa despropositado ou mesmo não encontro referências para tal. Temos portanto certa confusão aí, afinal, a luta de classes se dá entre grupos sociais, não entre determinados segmentos de gênero;
7 - Porém o maior problema, e a meu ver imperdoável, da narrativa, é um dos seus elementos centrais que movem a trama: a vacina da "cura gay". Que um governo tirânico produza tal artefato e até mesmo acredite nisso, podemos considerar, mas então tudo sucumbe quando os protagonistas ratificam tal bobagem aceitando a possibilidade e lutando por um antídoto, de modo que a obra então atira a opção de sexualidade apenas para o campo biológico, anulando qualquer outros fatores, o que acaba reforçando o discurso opressor e despreza todos os demais elementos envolvidos;
8 - A ratificação da natureza psicológica da homossexualidade fica clara quando o próprio Sam define-se como imune à vacina, e a partir disso, impactado talvez pelos romances de fantasia, assume o posto de "o escolhido" de quem e cujo sangue se produziria uma vacina capaz de libertar todos os gays da América. Creio que com isso já tenha mostrado o quanto essa visão é preocupante;
9 - Vejamos então que temos uma série de elementos a questionar na obra, que talvez com boas intenções, acaba pecando pela fragilidade de sua estrutura interna do argumento, que do contrário que o esperado, dá mais armas ao opressor que ao próprio oprimido, aqui constituído com fragilidades que prejudicam as intenções do autor;
10 - Enfim, embora de muita ação, boa produção e ideal com potencial, Hope falha em sua tentativa, porque sua argumentação, em alguns momentos até parece ter sido escrita por alguém que desconhece o universo LGBT. Trata-se de uma série, talvez tais falhas possam ser superadas pela sequência, já que a ideia sempre parece ter sido narrar a experiência dentro da HOPE (prisão para homossexuais) e este livro é meio que um grande prólogo, que aliás, só te sequência pelas fragilidades já ditas sobre o protagonistas, que fala demais, luta demais, mas que como demonstra seu inimigo, pensa de menos.