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10 Considerações sobre Depois do Túnel, de Bolivar Soares ou por que é preciso acreditar

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O Blog Listas Literárias leu Depois do Túnel, de Bolivar Soares publicado pela editora Giostri e neste post publica suas 10 considerações sobre o livro, confira:

1 - Depois do Túnel é uma obra escrita com bastante correção e que pretende debater dois assuntos centrais em sua trama, sendo que um deles, a espiritualidade, exige a crença por parte do leitor, e o outro apresenta a discussão sobre o racismo e esta parece não ser abordada com grande propriedade, pois embora o autor toque no assunto, a forma com que as resoluções surgem neste debate são no mínimo questionáveis;

2 - Quanto ao tema da espiritualidade, esta parece ser a grande proposta desde o princípio, em que através da história de uma família de médicas e ambientadas num centro hospitalar, o autor passa a narrar "acertos de contas" em busca do perdão espiritual enquanto também se propõe a visualizar a possível existência de algo a mais após o túnel. Para isso, o mesmo se utiliza do debate sobre as Experiências de Quase Morte para reforçar seu ponto de vista, e aqui reside justamente a necessidade de também haver alguma crença por parte do leitor;

3 - No entanto, convém dizer que embora ambientado num hospital com médicas bastante graduadas, o autor faz uso desse ambiente apenas para apresentar a problemática dos "EQM's", porém, peca quando necessário aprofundar-se mais nos jargões médicos, o que acaba dando certa fragilidade à suas personagens, como no caso do comentário de Ilka"não te esqueças que sou biomédica. Entendo um pouco sobre esse tal aneurisma", um diálogo um tanto improvável a uma médica das mais graduadas como se apresenta na obra;

4 - Mas cabe ao debate sobre racismo presente no livro as soluções mais questionáveis, pois ainda que as personagens negras do livro sofram fortemente com o racismo, subjugam-se através de um perdão pouco justificado (ou justificável). Nesse sentido, ainda mais grave é o desfecho da personagem negra e empregada na casa de Ilka, Cinira, que será o centro  de uma das revelações do livro, e quem sofrerá certamente a maior de todas injustiças da obra. No entanto, Cinira, como ocorre a todas personagens negras da trama, apresentará (ou viverá) uma "solução bastante branca" recolhendo-se a uma posição relativamente de inferioridade enquanto poderia lutar por seus direitos. Tudo isso num perdão que não apaga o que sofrera e tampouco altera seu status quo;

5 - Aliás, cabe aqui uma discussão sobre a linguagem do livro. Se por um lado o autor revela grande domínio do uso gramatical e da escrita nos apresentando uma obra com boa escrita, por outro, e inobservância das variações da língua falada tornam os diálogos do livro um tanto inverossímeis e prejudicam da certa forma a personalidade das personagens, pois suas vozes são exatamente iguais independente do meio em que estejam e da própria constituição da pessoa. Com isso, se por um lado temos um livro escrito praticamente sem erros, por outro sentimos falta da imperfeição que nos é cara numa leitura. Um dos exemplos é quando Rúbia afirma"és um rapaz rico, nasceste em berço de ouro. Eu sou uma garota suburbana, que precisa trabalhar para estudar."No livro, diálogos como este se repetem sempre com a conjugação perfeita, algo que sequer é usado hoje em dia até mesmo pelos falantes cultos, que, no entanto, na obra se repetem  entre os falantes cultos, nos subúrbios, e até mesmo nas personagens da classe baixa e até mesmo em momentos de menor cuidado com a linguagem como quando em estado de embriagues. Digo isto, porque acaba afetando um pouco a obra e nos deixa a sensação de estarmos diante uma leitura de época, porém numa obra contemporânea. Além disso, escolhas por palavras como "criada" ao invés de "empregada" colaboram para tal distanciamento temporal;

6 - Outro detalhe que me causou certa confusão foi a localização de Joyce em determinados momentos, ora em Petrópolis - RJ, ora em Porto Alegre - RS. Fiquei com a impressão que houve certa derrapagem da revisão na questão da continuidade, mas nada que atrapalhe o conteúdo central da obra;

7 - Portanto, deixando os detalhes mais técnicos da obra, Bolivar Soares cria uma família permeada por rancores e segredos numa escrita que flui; ele busca nos apresentar a redenção de uma forma bastante esperançosa em que o "acerto final" das contas serve para evoluir espíritos cujas falhas não são pequenas aqui na terra. Com isso o autor de certa maneira estabelece uma obra doutrinária;

8 - Porém, embora possa parecer um livro de uma vertente espírita como poderíamos imaginar, a obra é permeada por um catolicismo muito forte, e, ao contrário do espiritismo, o túnel aqui não nos leva para mais uma passagem de espera para nosso retorno à terra, mas sim para um ambiente eterno imaginado por católicos na esperança de seus reencontros com deus e seus familiares;

9 - Por isso disse que é um trabalho que exige certa crença do leitor, seja para o que vem após o túnel, seja para a falta de explicação lógica para determinadas questões em que uma médica graduada como Ilka precisa recorrer a "São mistérios que só Deus pode explicar";

10 - Enfim, Depois do Túnel é um livro com virtudes e fragilidades, mas que acima de tudo é um trabalho feito por um autor com o domínio da boa escrita e cujo trabalho é permeado por uma intencionalidade de discutir temas que carregam certa polêmica e controvérsia, e, apenas nesse sentido podemos questioná-lo. No geral é um livro que talvez não convença céticos, mas que pode encontrar respaldo em leitores que costumam crer. Um trabalho a se descobrir por si mesmo.



   

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