O Blog Listas Literárias Leu A Poeira da Glória, de Martim Vasques da Cunha publicado pela editora Record; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – A Poeira da Glória é um livro controverso que se propõe desde o início a causar polêmica, o que de certa forma fala muito sobre si, visto que esta intencionalidade é o que justamente leva-o por um caminho torto que não raro confunde o argumentar com o bater, criando com isso uma série de ensaios que rompem qualquer possibilidade de diálogo produzindo com isso falhas semelhantes ao que o próprio autor tenta apontar em quem critica;
2 – Vejamos que a primeira contradição aparente está justamente ao revelar tamanho desprezo por estudiosos e críticos da literatura (tal desprezo muitas vezes recheados de rancor e animosidade) em sua tentativa de contrapor a eles, ao passo que o próprio autor decide entrar nesse mesmo campo, só que armado muito mais de uma retórica do que com argumentos;
3 – Aliás, Fábio S. Cardoso diz no texto de orelhas do livro “que o leitor se convence por nocaute” diante dos argumentos, no entanto, se há nocaute, esse se dá muito mais pelas sistemáticas agressões que se espalham pelas mais de seiscentas páginas do livro, onde salvam-se poucos das palavras ferinas e carregadas de raiva de Martim Vasques;
4 – É que há nos ensaios do livro um grande equívoco, talvez provocado pela dificuldade de distanciar a desconstrução de algo com a simples e mera destruição. No caso de A Poeira da Glória não há um processo de desconstrução e resignificação da história literária do país, mas simplesmente a tentativa de uma destruição pura em que praticamente não fica poeira alguma para se criar um novo olhar sobre a literatura nacional. Vasques simplesmente tenta destruir tudo para que não reste pedra sob pedra, e até mesmo quando busca ser condescendente, não deixa de transparecer suas mágoas e queixitudes;
5 – Essa destruição praticamente plena da literatura brasileira se transforma então num dos grandes enganos da obra, pois o autor peca de forma grandiosa ao não oferecer então alternativas para tudo aquilo que destruiu ao longo de seu texto. A literatura e a história são campos em que os equívocos estão presentes, porém, se os apresentamos de um lado, por outro há a necessidade de se apontar as alternativas a esses equívocos, e nesse campo, o livro fecha-se a qualquer possibilidade trazendo uma errônea visão catastrófica da literatura nacional sem ao menos tentar apresentar o que resta da destruição feita;
6 – Além disso, ainda que hoje em dia visões formalistas e estruturalistas tenham sido superadas permitindo-se sair do contexto interno das obras para ampliar o julgamento sobre elas, Martim Vasques extrapola todos o limites ao ponto que parece lhe importar muito mais o que faziam os principais escritores brasileiros, do que suas próprias obras, obviamente todas elas, mesmo que fazendo parte de tais contextos, trata-se de objetos de características próprias que vão além das atividades sociais de seus autores. Se Roland Barthes exagera ao “matar o autor”, Vasques peca por deixá-lo vivo em demasia, fato que influencia demasiadamente seu olhar corrompido sobre a literatura;
7 – E Vasques entre tantos pecados, comete um que a meu ver parece dizer muito sobre o autor e até mesmo explicar sua forma agressiva de debater. No caso deste pecado específico, o autor de forma arrogante e prepotente parece desconhecer o público a quem se dirige seu trabalho. É perfeitamente concebível que leitores de ensaios é um público de um bom letramento e com conhecimento suficiente para que se torne desnecessários trechos como “Mário de Andrade e Oswald de Andrade (também sem qualquer parentesco, por favor)” ou “(é, assim mesmo, com minúsculas, caro revisor)”. Vejamos que isso aponta a incapacidade do autor de agir sem provocações ou deboches, que com isso atacam não só o objeto de seus ensaios, mas também que lê o livro;
8 – Portanto, em seu conjunto, a polêmica se constrói com a agressão e com o desprezo, elementos que, inclusive, são os elementos que fazem do olhar de Vasques algo frágil e insustentável. Não precisamos ser um gênio para saber que a razão se perde quando da violência. Razão que explode por total nesse livro, especialmente, quando o autor busca desqualificar o trabalho de Antônio Cândido, que, certamente não está imune de críticas e contestações, mas que certamente merece respeito, sendo desnecessária o tipo de agressão proposta por Vasques;
9 – Contudo, se o trabalho de Vasques é merecedor de críticas, sua leitura pode ter algum valor ao ponto que nos apresenta algumas curiosidades do círculo literário nacional, e desde que não nos percamos em suas amarguras, sempre se pode tirar algo de proveitoso;
10 – Enfim, A Poeira da Glória é um livro para leitores que já possuam certa bagagem e conhecimento da literatura brasileira capazes de contra-argumentar o autor, pois do contrário, seria um risco leitores leigos tomarem por verdades as agressões impetradas e a destruição sem sentido da literatura nacional. Se Vasques com seu “olhar crítico” não encontrou outras alternativas para o que se estabeleceu como cânone dessa literatura é porque ele falhou em sua argumentação, agressiva e desnecessária, além disso, é preciso concordar com Cândido quando diz “que essa é nossa literatura”, mesmo contendo falhas, obviamente.
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